Rodolfo Lucena conta detalhes e mostra fotos de seu treino de 33 quilômestros em São Paulo

Maria sem-vergonha

Hoje fiz um treino de respeito. Foram mais de 33 quilômetros alternando corrida e caminhada ao longo de quase cinco horas, cobrindo um local até então desconhecido para mim: o parque Burle Marx.Inaugurado em 1995, o parque ocupa a área de uma antiga propriedade do empresário e playboy Baby Pignatari e tem como destaque os jardins projetados pelo paisagista Burle Marx. Fica ao lado da marginal Pinheiros, láááá para os confins da zona sul (na perspectiva deste vivente da zona oeste da cidade).

Como hoje tinha programado o tal treinão, resolvi descobrir esse recanto tão elogiado e, para mim, desconhecido. Vou poupá-lo da descrição de meu trajeto, informando apenas que cruzei a ponte do Morumbi e subi a avenida de mesmo nome, em direção ao palácio do Governo.

Na metade da subida, mais ou menos, enveredei para a esquerda, pela rua Colégio Pio 12 (grande coincidência: foi no Pio 12, mas o de Porto Alegre, que terminei o ginásio; ainda guardo lembranças de amigos de então e do glorioso hino da escola: "Pio 12, colégio querido, eis aqui o meu brado comovido...").

Depois de um início mais generoso, a calçada se esvai e segue no que parece ser a maldição de São Paulo e, especialmente, dos chamados bairros nobres: não há espaço para o pedestre.

Mesmo assim, entre carros e trabalhadores, fui seguindo pelas alamedas morumbísticas, observadas que são pelas janelas de prédios luxuosos e sofisticados. Depois de uns três quilômetros passando de rua a outra, enfim vi as grades que cercam o parque Burle Marx. Mais um quilômetro, quase, para chegar à entrada, na Rua Dona Helena Pereira de Morais, 200, uma avenida muito simpática...

Já o parque não tem uma entrada muito acolhedora, não. Sombreada, parece sombria, e a alameda por onde passamos é protegida do sol por ampla e vibrante vegetação. O cimento dos primeiros caminhos estava escorregadio, limoso, depois desses dias de chuva.

Mas os poucos metros passaram rápido e logo cheguei aos tais jardins de Burle Marx, uma área ampla, bonita, exposta ao sol --e com caminhos de cimento.

Eu queria terra e me fui pelas trilhas que ficam mais para o canto. Sobe-se, embarra-se, escorrega-se, pois toda a área é protegida do sol por uma vegetação vigorosa, árvores frondosas.

O caminho não é longo, mas muito diversificado. Passa-se por um laguinho com patos e cisnes, e nas trilhas há vários entroncamentos e escadarias que podem servir para sofisticar e dificultar o treino.

Não há, como no Ibirapuera ou no bosque do Morumbi, uma volta bem marcada, óbvia, um caminho da cerca. Como as trilhas se entrecruzam, cada um pode fazer seu caminho e cada caminho pode ter sempre um novo percurso, começando e terminando nos jardins centrais (que não são exatamente no centro).

Pelas trilhas, de vez em quando passa um raio de sol, iluminando verdes e eventuais flores, como as que conhecia, na minha infância, como patinho. No parque da Redenção, em Porto Alegre, árvores ancestrais se espalhavam sobre o lago em que andávamos de pedalinho e largavam na água suas flores nadadeiras que, no parque Burle Marx, estavam estendidas qual tapete no chão.

Por outra vereda, encontrei uma inesperada maria sem-vergonha solitária. Pensava que elas só andavam em turma, em arbustos luxuriantes, uma ajudando a outra a formar aquele buquê colorido sobre o verde da folhagem. E fiquei matutando se a solitária maria sem-vergonha seria mais ou menos desavergonhada que as que andam em turma.

Coisa meio besta de pensar, mas me ocorreu enquanto corria e serviu para me distrair da irritação, de novo contra o meu GPS. Por conta da vegetação fechada e dos morros do parque, ele ficou mais perdido do que cusco em procissão e me fez rodar, calculo, uns bons 1.200 a 1.500 metros a mais do que o programado.

Azar. Um quilometrinho a mais não cansa tanto, mas resolvi sair do parque para deixar o pulso aberto ao sinal do satélite. Enveredei pela tal rua Dona Helena e decidi não voltar, mas seguir adiante, rumo á ponte João Dias. Pouco antes da favela vizinha da ponte, peguei um ruela onde fica o bar do seu Reisdocino; ele não estava lá, mas sua velha, que cuidava da casa e da escolha do feijão para o almoço, me informou que o velho dela era o responsável por entalhes e esculturas de madeira que enfeitavam o pequeno boteco.

Muito bom, mas precisava começar a voltar. Cruzando a ponte, ainda olhei de longe as flores da marginal e a verdura do parque. Virei as costas e me vim...

Carros, ruas, avenidas, até passar pela estátua do Borba Gato, que deve ser o mais horrendo monumento público desta capital. E mais feio ainda é por homenagear essa figura, cuja verdadeira face ainda será exposta em uma revisão histórica decente.

E por aqui me fico.

Fonte: Blog do Rodolfo Lucena

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